Abro a janela única deste espaço onde vivo. Respiro o ar tão puro que se criou. Vejo as ruas limpas de gente e mergulho nesse vazio de afecto. Inspiro-me no binómio Homem-Natureza. Esta inversão de papeis destes novos tempos faz-me perceber o quanto a natureza precisava de ser libertada. Esta nova forma de voar que nos atingiu e que fez com que a nossa liberdade fosse enclausurada dentro do nosso ninho. Ao sabor desta ironia, vemos que o ser humano que se julgava intocável, está agora confinado à sua peculiar existência. Por sua vez, a natureza, que anteriormente se via presa às vontades dos humanos, liberta-se dessa gaiola e voa rumo ao centro de algumas cidades. Talvez não fôssemos tão livres quanto pensávamos que éramos. Será que é o espaço exterior que forma a nossa liberdade?
Hoje, neste dia tão simbólico, representante superior dos valores da liberdade, cantamos em uníssono, frente a frente na janela de cada rua, a canção com que sempre nos emocionamos. Estes rouxinóis de Abril, que ouvimos em tom de arrepio, fazem-nos juntos sentir a força de uma palavra que toca a composição da liberdade de expressão. Apesar de fechados dentro destes metros quadrados, podemos ser livres no que dizemos, fazemos e até pensamos.
A liberdade é para mim, por mais desafiante que sejam as circunstâncias externas, uma atitude interna. Quantos de nós estávamos livres por fora, cada um no seu quotidiano, nas ruas, na sua independência, sabendo porém que a liberdade interior é aquela que nasce da capacidade de sermos, só sermos aquilo que verdadeiramente somos. Sinto assim, que uma das mais autênticas riquezas, é a liberdade de viver o nosso propósito independentemente da liberdade externa que nos é concedida.
Somos nós que criamos a nossa liberdade, esse espaço dourado que permite fazer a nossa principal viagem, aquela que mergulha no interior de cada um. Não imagino, esses tempos anteriores, onde a expressão livre era aprisionada. Tempos duros esses. Agora, imagino o alívio de quando os cravos se reuniram e juntos abriram as portas para a liberdade.
Conquistou-se o lugar que permite partilhar o que qualquer um esteja a pensar. Em Lisboa hoje, o ritmo é feito pelo cantar da Grândola Vila Morena em cada janela da cidade. Hoje sinto que esse lugar existe. Sei ainda que precisamos de outro mais profundo, o cultivar da verdadeira liberdade, aquela que existe dentro de cada um de nós.