Lisboa é um camaleão, dinâmica em cores e texturas mutáveis, curvas e linhas esculpidas em cada travessa.
Em tempos de quatro paredes, ela mostra-se invadida por um silêncio igual ao que sentimos sempre que vamos ao seu castelo. Não a reconheço. A cidade da minha fotografia, das minhas pessoas, transformada neste silêncio ensurdecedor de uma paz que mora ali ao lado.
Cheguei a pensar, num dos meus poucos minutos fora destas quatro paredes, o quanto bom seria uma Lisboa sem carros, em silêncio, onde somente então as pessoas existissem e caminhassem livremente por cada silhueta de luz e sombra tão característica desta cidade.
Nestes poucos metros quadrados de espaço em que me encontro, não vejo o que se passa lá fora. São dias seguidos a tentar criar esperança e confiança para o que aí vem.
Desço as escadas, nestas cornucópias de sobe e desce, curvilíneas por natureza e tão antigas ou não estaríamos nós no centro de Lisboa. De um estilo incompreensivelmente vintage continuo a descer à pressa para respirar um pouco de ar. Aquele que sentimos por breves segundos e onde a imaginação transforma com saudade em horas de liberdade que queremos tanto alcançar.
Abro a porta e lá vou eu pelas ruas, de uma cidade despida do que mais sinto falta – as pessoas. O sol já brilha e lembra-nos de como é bom o seu sentir na pele, agora diariamente tratada para nos proteger. Parece que a natureza também foi à rua. Em todo o seu esplendor, de tantas formas, feitios e espécies é agora ela a guardiã da cidade.
Continuo, nesta trajectória de carrinhos de choque invertidos na distância segura que desejamos manter. Vejo pessoas ao longe. Uns correm, uns fazem exercícios, outros levam as crianças a brincar e eu aqui, apenas umas voltas quero dar. Neste confinamento social, relembro o quanto criativo o ser humano é por tentar sempre, mesmo ao longe, manter a sua natureza de ser social. É um olá mesmo que a longos metros, é um sorriso repentino para a criança que passa de fugida, uma irritação por aqueles que não cumprem, um Bom dia, como está? ao senhor polícia. Este que coloca uma certa ordem nesta desordem que estamos a viver. Neste minutos que gostaríamos que fossem horas, vou respirando o ar puro que existe. O silêncio que raramente ouvia, é agora a música da cidade.
Sigo depressa, subindo e descendo. Esta ansiedade de querer que a minha cidade se transforme rapidamente naquilo que ela é – uma cidade de e para pessoas. Neste último momento de imaginação e melancolia, acordo para o real e com os poucos minutos que ainda tenho pela frente, vejo uma natureza como só algumas vezes vi na cidade. Árvores verdes de prados açorianos, arco-íris de flores e pássaros esvoaçantes. Reparo no seu cantar ao aproximar-me de uma destas bonitas árvores. Recheada de várias frutas e sementes fica rodeada por uma família de papagaios verdes que devoram com prazer cada pedaço seu.
Fotografei. Não podia deixar de o fazer. Sem câmara, sem qualquer preparação, sem a velocidade e a profundidade que queria, consegui no entanto a sua atenção. A sua cor confundia-se com as folhas que servem de ninho para aqui ficarem. Já quase a terminar estes minutos que parecem segundos no exterior, a imagem desta natureza saudável, independente do ser humano, feliz e livre mostrou-me que por vezes o caos é necessário para que venham melhores formas de vivermos em comunidade. Esperança, essa palavra que parece apagada do dicionário das notícias que lemos hoje, apareceu-me luminosa, mesmo que por breves instantes, através destes seres que agora vivem em liberdade.
Lisboa parou. A natureza por sua vez, aqui continuou, pronta para ajudar nesta metamorfose que espero luminosa para a nossa cidade.